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A vila transmontana onde passo férias alguns dias por ano fica mesmo ao lado da fronteira com Espanha, tenho por isso a sorte de poder experimentar alguns dos produtos regionais dos nuestros hermanos a preços agradáveis, se é que me entendem.
De ambos os lados da fronteira há paisagens e costumes em comum, embora a gastronomia tenha características bem diversas.
Na região de Zamora cultivam-se estas habones muito parecidas com as nossas feijocas mas com um sabor distinto.
Neste fim de semana convidei os meus pais para almoçar e resolvi experimentar uma combinação diferente, que tirando as habones, nada tem a ver com a comida tradicional de Zamora, mas que deu conversa para o almoço.
Conta a minha mãe que lá na terra havia uma moça, de nome Maria, recém casada com um espanhol. Rapariguinha nova e sem experiência, não dominava a arte dos tachos.
Um dia perguntou ao marido o que havia de fazer para o almoço.
Ele respondeu-lhe que fizesse coelho.
Ao que ela ripostou: Coelho com quê?
Ele no gozo respondeu-lhe: Faz coelho com feijões...
A moça que nada entendia do assunto lá fez o coelho com feijões, e apesar de ser uma combinação estranha, o espanhol até gostou.
Certo é que com o tempo, lá na terra, quando se fazia alguma comida diferente, dizia-se que era à moda da Maria Pescoa.
Não sei se a Maria Pescoa ainda é viva, mas se for, tenho a certeza que ficará com um sorriso nos lábios ao saber desta minha experiência culinária que teve a aprovação de todos os comensais.
E sabem que mais? Não sobrou nem um feijão.
Coelho com Habones Zamoranas
Para a marinada:
1 coelho partido aos pedaços pequenos
3 dentes de alho
1 colher de café de cravinho em pó da Margão
1 colher de chá de colorau da Margão
meio copo de vinho
3 colheres de sopa de azeite
2 folhas de louro
1 pitada de piment d'Espelette (alternativa: pimenta ou piri-piri)
sal q.b.
Para o guisado:
500 g de Habones Zamoranas (alternativa: feijocas)
1 cebola média
1 chouriço pequeno
1 pedaço de toucinho fumado
6 colheres de sopa de azeite
Preparação:
De véspera coloque as habones ou as feijocas de molho e tempere coelho com um pouco de sal, alho picado, o cravinho, o colorau, o piment d'espelette, as folhas de louro, o vinho e o azeite, misture bem para que todo o coelho fique envolvido no molho e deixe a marinar de um dia para o outro.
Levar as habones ou as feijocas ao lume com bastante água e uma pitada de sal e deixar ferver durante cerca de 1 hora, juntamente com o chouriço e o toucinho fumado.
Num tacho colocar 6 colheres de sopa de azeite e alourar o coelho de ambos os lados, juntar a cebola picada, deixe alourar e adicionar o toucinho fumado e o chouriço cortado aos pedaços pequenos. Juntar um pouco do caldo de cozer as habones ou as feijocas e deixar cozinhar o coelho até estar tenro.
Por fim adicionar as habones ou as feijocas mexer com uma colher, se necessário adicionar mais um pouco de caldo, reduzir o lume para o mínimo e deixar fervilhar em lume brando, mais uns 15 a 20 minutos para apurar o molho.
Servir polvilhado de salsa picada e arroz branco.
Notas:
Pode substituir as habones zamoranas por feijocas ou por outro tipo de feijão a gosto.
A inspiração para este prato chegou-me de lembranças muito antigas.
Quando eu era miúda havia um canteiro em casa da minha avó onde estavam sempre plantadas várias ervas aromáticas, entre as quais, segurelha. Eu achava-lhe graça, mais por causa do nome do que propriamente pelo sabor e se a minha avó me mandava apanhar um raminho de salsa, eu perguntava-lhe de imediato se também podia trazer segurelha. A resposta dela era invariavelmente a mesma: Já te disse que segurelha é só para o coelho e para o feijão verde.
Foi assim que esta frase se transformou numa espécie de regra para a vida e que eu nunca quis quebrar, por isso quando vi que a mistura de ervas para grelhados da gama Segredos da Margão continha segurelha, eu não tive dúvidas de que teria que a utilizar num prato de coelho, mas em vez de o grelhar optei por o assar no forno.
Coelho Assado no Forno
Ingredientes:
1 coelho partido aos pedaços
1 colher de sopa de azeite para a marinada + 3 para cozinhar
2 ou 3 dentes de alho
1 cerveja pequena 20 cl
1 colher de chá de Segredos Grelhados da Margão
1 folha de louro
sal e pimenta acabada de moer
Preparação:
Temperar o coelho com todos os ingredientes acima mencionados e deixá-lo marinar durante 2 a 3 horas.
Ligar o forno nos 200º.
Colocar o restante azeite num tacho e alourar o coelho bem escorrido da marinada.
Quando estiver dourado, deitar o coelho num tabuleiro ou pirex, regar com a marinada e levar ao forno quente até estar assado.
Entre 30 a 40 minutos consoante o tipo de forno.
Acompanhe com batatinha assada e bróculos salteados.
Se o meu pai soubesse que eu abri uma garrafa de vinho da madeira de propósito para confeccionar um prato de coelho, diria que eu tinha enlouquecido.
Eu sei que ele não passa por aqui, mas se isso acontecesse também saberia que foi ele que me ensinou que se um vinho não é bom para beber, não é bom para cozinhar.
E agora que justifiquei a abertura de tão precioso néctar, passemos à receita, até porque a refeição estava excelente.
Coelho com Mostarda e Compota de Framboesa
Ingredientes:
Preparação:
Tempere o coelho com o sal, a pimenta, o alho e o vinho da madeira e deixe marinar por um bom par de horas.
Escorra bem o coelho e passe-o por farinha, aqueça o azeite e a margarina e aloure o coelho dos dois lados.
Junte então a marinada, descartando o alho, adicione a mostarda e deixe cozinhar em lume brando, se necessário junte um pouco de água, para que o molho nunca seque demasiado. No final retire o coelho, e junte a compota de framboesa, mexa com uma colher, deixe fervilhar um pouco, junte de novo o coelho, polvilhe com salsa picada e apaque o lume.
Sirva com esparregado de nabiças e arroz de manteiga.
Prato inspirado numa receita de coelho com mostarda do Livro de Receitas de Carne da Vaqueiro
Nunca fui de programar refeições com antecedência, talvez porque não gosto de rotinas, as refeições surgem quase sempre ao acaso, sem programação prévia, sem lista de compras e na maioria das vezes sem receita. Passo pelo supermercado do bairro antes de regressar a casa, olho para as coisas e surge sempre uma ideia para o jantar.
Complicado? Acredito que o seja para a maioria das pessoas, mas para mim é natural.
Foi o que aconteceu hoje, ao cruzar-me com um ramo de tomilho fresco, imediatamente pensei que teria de o levar comigo e fazer qualquer coisa com ele.
Coelho com Tomilho e Mostarda à Antiga
Ingredientes:
Preparação:
Temperar o coelho com o sal, o louro, o alho picado e as folhinhas de tomilho e deixar tomar sabor durante pelo menos meia hora.
Aquecer o azeite numa frigideira e alourar o coelho de ambos os lados em lume forte, quando tiver um aspecto dourado, baixar o lume e adicionar o vinho branco, deixando cozinhar até quase evaporar todo o molho, juntar então o copo de água, tapar a frigideira e deixar cozinhar em lume brando até a carne estar cozida, se necessário junte mais água, mas sempre em pouca quantidade. Quando a carne estiver cozinhada adicionar a mostarda ao molho, envolver na carne e deixar fervilhar mais uns 5 minutos só para tomar sabor. O molho no final deve ter um aspecto cremoso.
Servir com arroz de espinafres ou com legumes salteados.
Notas: O restante tomilho pode ser guardado no congelador. Quando compro coelho divido-o de forma a usar as diferentes partes para outras receitas. Habitualmente as pernas são para assar no forno e os lombos peço para cortar mais pequenos para fritar, assim sai mais barato do que comprar só mãos ou só pernas.
Toda a nossa vida é um somatório de memórias, mas aquelas que permanecem inabaláveis no nosso coração toda uma vida, são quase sempre as memórias de infância.
Parte da minha infância foi passada com a minha avó paterna que era uma óptima contadora de histórias, passei anos a ouvi-las até quase sabê-las de cor mas nunca as escrevi e a minha memória traiu-me, tendo assim perdido grande parte desse espólio maravilhoso que eram as histórias da minha avó.
A minha avó foi costureira e bordadeira durante muitos anos, aprendeu a bordar e a costurar muito nova numa Singer a pedal que ainda hoje sobrevive e trabalha em casa da minha mãe.
Nos seus tempos livres a minha avó dava explicações e preparava miúdos para o exame da 4ª classe (que era obrigatório e levado muito à séria), havia uma sala com várias mesas e cadeiras, um mapa de Portugal na parede, um globo, um crucifixo e um quadro com uma fotografia do Marechal Carmona, tal como nas escolas públicas havia um intervalo para lanchar que aquilo de fazer contas e redacções dava uma fome tremenda.
Ainda não havia "Bolicaos", nem "Kinderbueno", não se comia pão com "Nutela", e lá por casa nem sequer se comprava o famoso "Tulicreme", os lanches consistiam na maioria das vezes por pão com marmelada, caseira, bem entendido que acompanhava um copo de leite gordo que nos deixava com bigodes e se comprava habitualmente numa vacaria que havia ao cimo de um monte próximo, quanto ao pão era comprado na padaria do bairro e cozido em fornos a lenha.
Os meus lanches variavam consoante a vontade da avó, o que havia disponível e o meu apetite, que na altura era muito pouco, eu era uma miúda de aparência escanzelada e magricela que gostava muito pouco de comida, fosse ela qual fosse.
Nessa altura, apesar de não ser amiga de comida, havia duas coisas que eu adorava, gemadas e pão com manteiga e açúcar, e a minha avó dava-me pois sabia que aqueles seriam provavelmente os alimentos que me fariam mais proveito durante o dia.
O tempo passou, os meus pais emigraram para África, não só para fugir ao antigo regime, que por lá não se fazia sentir da mesma maneira, como para tentarem uma vida melhor.
Eu tinha 11 anos quando regressamos a Portugal nos finais de 1974, com o triste rótulo de retornados e tendo que recomeçar tudo do zero.
Nessa altura a minha avó vivia nos arredores de Lisboa e a sua casa acabou por ser o nosso porto de abrigo durante algum tempo até os meus pais arranjarem emprego.
Ela criava coelhos, patos e galinhas, cultivava couves, alfaces, favas, ervilhas e outras coisas mais, num pequeno quintal que havia por trás da casa, garantindo assim uma alimentação minimamente saudável e bastante menos dispendiosa.
De vez em quando, o meu avô que andava sempre por fora trazia caça que os amigos lhe davam, e era uma festa. Os fins de semana eram pacatos e quase sempre passados em família.
A minha avó paterna não era uma cozinheira exímia, mas cozinhava de tudo um pouco de forma trivial, lembro-me especialmente de duas receitas que ela fazia quando os primos de Benfica vinham almoçar, canja de coelho, uma coisa à qual nunca me consegui habituar e coelho estufado com vinho que era servido sobre fatias de pão frito.
Como noutro dia ofereceram duas peças de caça ao António, peguei num coelho bravo e resolvi com ele capturar as minhas memórias e com a receita da minha avó paterna participar no passatempo "Conta-me a tua receita", organizado pelo Cinco Quartos de Laranja com o patrocinio da RTP a propósito do lançamento do Livro Conta-me como foi - As receitas da Família Lopes.
Foi assim que tirei do armário os naperons de renda tão frequentes na época e a velhinha travessa de esmalte da minha avó, gasta pelo tempo e pelas memórias de comidas passadas para apresentar a comida de hoje.
Coelho Bravo com Vinho
Ingredientes:
Preparação:
De véspera temperar o coelho com os dentes de alho, o louro, o colorau e um copo de vinho branco.
Num tacho colocar o azeite e a banha, quando a banha derreter colocar os pedaços de coelho reservando a marinada, temperar com sal e pimenta, pôr o raminho de salsa inteiro no tacho juntamente com o restante vinho branco, tapar e deixar cozinhar lentamente, se necessário acrescentar um pouco de água. O tempo de cozedura do coelho bravo não é certo depende da carne, há umas mais tenras e outras mais rijas, a única forma de ver é ir espetando um garfo. Quando o coelho estiver quase cozido acrescentar o molho da marinada coado e deixar levantar fervura mais 10 minutos a 15 minutos. Se gostar pode engrossar o molho com um pouco de farinha, mas eu não o fiz. Servir sobre fatias de pão frito ou torrado.