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Das Minhas Memórias

por Moira, em 22.03.11

Toda a nossa vida é um somatório de memórias, mas aquelas que permanecem inabaláveis no nosso coração toda uma vida, são quase sempre as memórias de infância.

Parte da minha infância foi passada com a minha avó paterna que era uma óptima contadora de histórias, passei anos a ouvi-las até quase sabê-las de cor mas nunca as escrevi e a minha memória traiu-me, tendo assim perdido grande parte desse espólio maravilhoso que eram as histórias da minha avó.

A minha avó foi costureira e bordadeira durante muitos anos, aprendeu a bordar e a costurar muito nova numa Singer a pedal que ainda hoje sobrevive e trabalha em casa da minha mãe.

Nos seus tempos livres a minha avó dava explicações e preparava miúdos para o exame da 4ª classe (que era obrigatório e levado muito à séria), havia uma sala com várias mesas e cadeiras, um mapa de Portugal na parede, um globo, um crucifixo e um quadro com  uma fotografia do Marechal Carmona, tal como nas escolas públicas havia um intervalo para lanchar que aquilo de fazer contas e redacções dava uma fome tremenda.

Ainda não havia "Bolicaos", nem "Kinderbueno", não se comia pão com "Nutela", e lá por casa nem sequer se comprava o famoso "Tulicreme", os lanches consistiam na maioria das vezes por pão com marmelada, caseira, bem entendido que acompanhava um copo de leite gordo que nos deixava com bigodes e se comprava habitualmente numa vacaria que havia ao cimo de um monte próximo, quanto ao pão era comprado na padaria do bairro e cozido em fornos a lenha.

Os meus lanches variavam consoante a vontade da avó, o que havia disponível e o meu apetite, que na altura era muito pouco, eu era uma miúda de aparência escanzelada e magricela que gostava muito pouco de comida, fosse ela qual fosse.

Nessa altura, apesar de não ser amiga de comida, havia duas coisas que eu adorava, gemadas e pão com manteiga e açúcar, e a minha avó dava-me pois sabia que aqueles seriam provavelmente os alimentos que me fariam mais proveito durante o dia.

O tempo passou, os meus pais emigraram para África, não só para fugir ao antigo regime, que por lá não se fazia sentir da mesma maneira, como para tentarem uma vida melhor.

Eu tinha 11 anos quando regressamos a Portugal nos finais de 1974, com o triste rótulo de retornados e tendo que recomeçar tudo do zero.

Nessa altura a minha avó vivia nos arredores de Lisboa e a sua casa acabou por ser o nosso porto de abrigo durante algum tempo até os meus pais arranjarem emprego.

Ela criava coelhos, patos e galinhas, cultivava couves, alfaces, favas, ervilhas e outras coisas mais, num pequeno quintal que havia por trás da casa, garantindo assim uma alimentação minimamente saudável e bastante menos dispendiosa.

De vez em quando, o meu avô que andava sempre por fora trazia caça que os amigos lhe davam, e era uma festa. Os fins de semana eram pacatos e quase sempre passados em família.

A minha avó paterna não era uma cozinheira exímia, mas cozinhava de tudo um pouco de forma trivial, lembro-me especialmente de duas receitas que ela fazia quando os primos de Benfica vinham almoçar, canja de coelho, uma coisa à qual nunca me consegui habituar e coelho estufado com vinho que era servido sobre fatias de pão frito.

Como noutro dia ofereceram duas peças de caça ao António, peguei num coelho bravo e resolvi com ele capturar as minhas memórias e com a receita da minha avó paterna participar no passatempo "Conta-me a tua receita", organizado pelo Cinco Quartos de Laranja com o patrocinio da RTP a propósito do lançamento do Livro Conta-me como foi - As receitas da Família Lopes.

Foi assim que tirei do armário os naperons de renda tão frequentes na época e a velhinha travessa de esmalte da minha avó, gasta pelo tempo e pelas memórias de comidas passadas para apresentar a comida de hoje.

Coelho Bravo com Vinho

Ingredientes:

  • 1 coelho bravo
  • 3 dentes de alho
  • 1 raminho de salsa
  • 1 folha de louro
  • 2 colheres de sopa de azeite
  • 1 colher de sopa de banha
  • 1 colher de chá de colorau
  • 2 copos de vinho branco (usei vinho tinto caseiro de cor idêntica a um rosé)
  • sal e pimenta q.b.

Preparação:

De véspera temperar o coelho com os dentes de alho, o louro, o colorau e um copo de vinho branco.

Num tacho colocar o azeite e a banha, quando a banha derreter colocar os pedaços de coelho reservando a marinada, temperar com sal e pimenta, pôr o raminho de salsa inteiro no  tacho juntamente com o restante vinho branco, tapar e deixar cozinhar lentamente, se necessário acrescentar um pouco de água. O tempo de cozedura do coelho bravo não é certo depende da carne, há umas mais tenras e outras mais rijas, a única forma de ver é ir espetando um garfo. Quando o coelho estiver quase cozido acrescentar o molho da marinada coado e deixar levantar fervura mais 10 minutos a 15 minutos. Se gostar pode engrossar o molho com um pouco de farinha, mas eu não o fiz. Servir sobre fatias de pão frito ou torrado.

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publicado às 17:49


2 comentários

De Nélinha a 22.03.2011 às 22:57

Que delícia de história esta. Adorei ser transportada para aquela que também foi a minha infância.
Ai as gemadas, a maizena e o pãozinho com marmelada e leite gordo da quinta em frente à casa da minha avó, claro!... que bom que era. E agora que ninguém nos ouve, vou fazer uma confissão: Às vezes dá-me uma tal saudade de gemadas que faço uma!!!

Um beijinho grande e obrigada.

De Moira a 23.03.2011 às 14:48

Não me lembrei da maizena, a minha avó também a fazia, e entretanto lembrei-me das papas de milho amarelo com açúcar e canela e das papas de farinha de trigo torrada.
Gemadas nunca mais fiz mas gosto de provar a gema batida com açúcar quando estou a fazer bolos ;)
Beijocas

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